Por Jota Geraldo
Pouso alegre, 24 de outubro, 32°C . Somos carona de um fusca bege à 100 hm/h rumo a um evento cujas informações acerca são: Disco Hyppe, Clube do Tchu, BR 459, Km 103, proximidades do São Camilo, os pousoalegrenses do Pumu, o paulista Objeto Amarelo e os norte-americanos do The Eternals que estão no Brasil para a “Campo de Energia Tour 2010” , turnê de divulgação do álbum "Approaching The Energy Field".
O fusquinha estaciona nas proximidades dos túneis e - eu (prazer meu nome é Olavo) e Deise - seguimos a pé pela beira da estrada em ponto de ebulição.
Encontro com um peregrino (?!) indo em direção aos caminhos da fé e pergunto (enlouquecido pelo sol):
- Esta é a BR459?
A resposta afirmativa do homem nos dá o ânimo necessário para perseverar na caminhada...
Pensamentos desconexos do momento: "ela é uma garota firmeza, acompanhando-me (a pé) nessas estradas tropicais"; "carros na velocidade da luz do sol"; "água, cerveja e (por que não?) sombra".
Finalmente vejo uma placa: "Disco hyppe".
- É aqui. Não é miragem.
São 16:34h. Logo de cara, encontro André, Zé Rolê, Gustavo e mais dois camaradas cuja aproximação ocorreu mais por afinidades sonoras do que propriamente por nomes...
Enquanto as portas do clube não são abertas, um rolê para abrir outras.
Há 10 anos, andei, como hoje, nas mesmas margens da BR, só que com diferentes objetivos. É bem provável que o eterno retorno esteja fazendo efeito, mas as coisas não acontecem duas vezes da mesma forma. Naquele tempo, cheguei sozinho em Piei, não conhecia ninguém e não sabia nada sobre a cultura local. Hoje há pessoas que reconheço e pessoas que me reconhecem. A ‘vidagora’ tem uma espécie de mão dupla e se estende para além do provincianismo de então.
Devaneios à parte e com a concentração necessária nesta tarde clássica de domingo, com densas nuvens formando robôs, dragões, espaçonaves e navios no céu azul, com Flamengo empatando com Vasco, Corinthians derrotando Palmeiras e galo abatendo a raposa, aqui estamos: eu, Deise prestes a embarcar em uma viagem sonora. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2,1...
"Obrigado às pessoas que escutaram e para as pessoas que conversaram... obrigado também”. Com estas palavras bem humoradas e irônicas, sem cair na agressão e no desrespeito, Rafael encerrou a espetacular apresentação do Pumu, banda de Pouso Alegre que - ao promover um diálogo efetivo e consistente entre a música de improvisação e a música brasileira - coloca em outra esfera - muito mais desafiadora e cerebral (sem perder, claro, o espírito dionisíaco) - o debate em torno do rock.
O Pumu, composto pelos irmãos Paulo Bernardo (Vocal e Guitarra) e Rafael Miranda (Vocal, violão e bateria), fez um show impecável e mostrou que está pronto para o primeiro álbum que coincidirá com o registro desta ótima fase do duo pousoalegrense que faz parte do cast da Norópolis (www.norópolis.net), extensão da Submarne Records.
Ninguém sai ileso de uma apresentação do Pumu. A mente é permeada por inúmeras reflexões sobre o que é música e quais rumos está tomando, ao assumir linguagens que vão muito além das 7 notas musicais.
O som do Pumu - para ser experimentado, decodificado e compreendido em sua totalidade - precisa que a plateia esteja realmente ligada às emissões da banda que é experimental, mas também experiência.
Não há barreiras e, em questão de segundos, um rio calmo se transforma numa tempestade furiosa em alto mar. Lindas vocalizações, gritos, sussuros, caretas, palmas, harmonias desconcertantes, free jazz, improvisações, Gastr del Sol, Sun city Girls, This Heat, Captain Beefheart, TFUL 282, Animal Collective, Caetano Veloso , Hermeto Pascoal, Bert Jansch, João Gilberto, Phil Minton, Beach Boys, Airto Moreira, Neil Young, Milton Nascimento, Edu Lobo, Will Oldham, Animal Collective e até uma caneca enferrujada dialogam com o som característico e autoral do Pumu.
No blog http://pumu.wordpress.com é possível baixar as faixas “Pra Laila” e “Mosaico”, esta última lançada pela agência produtora de bandas independentes "Quickstar Productions" na compilação ROCK 4 life, compilação norte americana que busca bandas pelo mundo todo. Mais gravações podem ser encontradas no www.myspace.com/pumukapiei. Já no youtube, é possível encontrar vídeos do PUMU e perceber a evolução do projeto.
Tremor - Uma caótica paisagem sonora reverbera pela tarde, paredes tremem e o chão vibra. É o Objeto Amarelo de Carlos Issa.
Batidas pesadas, sinistras, camadas densas, sobreposições, vocais guturais, guitarra e pedais de efeito. O som é sentido não só pelos ouvidos, mas pelos olhos, pelos pés, pelas mãos...
Ordem e caos se fundem, confundem, caosfundem. O som toma corpo e dialoga diretamente com o corpo humano.
Não há espaço para meias palavras, sensações pela metade ou oposições do tipo bom/ruim. O objeto Amarelo é.
Ou você ouve, sente, permite-se levar pelas possibilidades aleatórias dos sons ou não percebe nada. Música ou anti-música? Não importa. Importa sim a experiência sonora.
No fim da apresentação algumas pessoas batem palmas; outras perguntam: “o Objeto Amarelo vai tocar ainda?".
Depois de Pumu e Objeto Amarelo é hora de dar uma respirada e se preparar para o devir The Eternals. Enquanto isso, no espaço externo do clube, o coletivo de dj’s Dubterrâneo de Santa Rita do Sapucaí rola vários sons e a galera se descontrai.
Campos de energia para sempre – Formado na cidade de Chicago (EUA) em 1997 por Damon Locks (vocal, teclado e efeitos) e Wayne Montana (baixo e teclado), o The Eternals está no Brasil para divulgar o álbum "Approaching The Energy Field" e fez uma insólita aparição em terras sul-mineiras.
A banda sintetiza elementos de reggae, dub, dancehall, hip hop, música eletrônica, música de vanguarda, punk e hardcore e destila um som bastante característico que vai além de qualquer tentativa de simplificação ou comparação com objetivos de enquadramento jornalístico reducionista.
Carismático e versátil, Damon Locks pede para o público dar um passo a frente. Com essa atitude suspende a timidez natural dos mineiros, anula a barreira imaginária entre público e artista e cria um só campo de energia.
O show ganha fluidez e espontaneidade e o público corresponde corporalmente ao som pesado e cheio de groove do grupo. “High Anxiety” e “Space Dancehall” incendeiam a pista. “Silhouette” é o momento contemplativo da apresentação do The Eternals, eleito em 2008 como o melhor grupo de rock do cenário musical local pelo Chicago Reader.
Não há limites para a criação musical - Numa só tarde Pumu, Objeto Amarelo e The Eternals estiveram no mesmo “campo energético” e o resultado foi uma combinação sonora e performática que rompeu com qualquer pré-concepção sobre o que é música e o que ela pode ser.
Pouso Alegre vive um momento de efervescência cultural e de possibilidades de conectar a arte local ao movimento global que bomba na internet e nos grandes centros urbanos. Os já clássicos Grupo Imbuia e Space Invaders, bem como Pumu, Davi Bernardo e Psilosamples são nomes que logo vem à cabeça quando se pensa na arte que não tem medo do risco, da quebra de paradigmas, da busca de uma linguagem própria.
O momento é propício, o clima é favorável. Deyse e Olavo voltaram para casa com este pensamento.
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Vontade enorme de ter ido... Ainda maior agora, depois de ler o seu post. Mas a Hype ta interditada pra mim, não é confortável andar pela BR com quase 8 meses de gravidez...
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