Primeira geração (Anos 1980)
Minhas primeiras lembranças sobre o skate na cidade datam de meados dos anos 1980 e vêm de uma loja existente na Rua Duque de Caxias: "Porão Skate Shop".
Esta loja vendia skates, shapes, trucks, rodinhas e roupas. Dentre as marcas comercializadas na loja constavam Vision Street Wear, Independent, URGH! e Plancton.
A partir dos anos 80, a cultura do skate começava a formar uma identidade estruturada no Brasil e junto com ela surgia, gradativamente, uma indústria voltada à cena do skate.
Eu era bem criança e, quando ia na "Cooperativa" (atual Unissul) buscar leite, aproveitava para passar no "Porão Skate Shop". Minhas parcas moedas não eram suficientes para adquirir aqueles desejados objetos. Quem viveu esse período sabe como as coisas eram difíceis para as famílias brasileiras, situação que só começou a mudar com o surgimento do real em 1994 e da estabilização da moeda, conquistas que, hoje em dia, estão prestes a serem perdidas com a volta da inflação, dos preços galopantes, do desemprego em massa, da crise econômica e política enfim.
Certamente os primeiros "skatistas" da cidade datam do período de redemocratização em que o país saia das trevas da ditadura cívico-militar e respirava o ar da Democracia. Lembro de ter visto uma galera com seus "tubarões" na Praça da Matriz "dropando" uma rampinha feita com tapume de construção.
Final dos anos 80 e primeira metade dos 90 (Segunda Geração)
No final dos anos 80 e começo dos 90, conheci o Ramon. Eu morava na Alves de Lima e o Ramon na Pouso Alegre. Eu sempre colava para brincar com a "turminha da rua de baixo". Tinha o Charles, o Cleber, o Ditô (nosso mestre de artes marciais), os filhos da Maria do Bar, o Juninho Ronaldinho, o Ferrugem, o Odirlei, o Adalto neto do Ditão, o Marquinhos do Seu Antonio Pipoqueiro, o André e suas irmãs, o Wellington Nascimento ...
Futebol de campo, de salão e golzinho de caixote, capoeira (Busca longe e Baianinho), kung fu, patrulhas de escoteiros imaginários, pipas, bolinha de gude, guerra de mamona, natação na cachoeirinha, videogame atari, master system, mega drive, bilhar, fliperama, skate e até surf de areia (!). Aquela meninada soube aproveitar a vida.
Mas falávamos do Skate. Ramon, na época, queria ser surfista e eu estava com mania com skate. Eu não tinha skate nem o Ramon prancha de surf. Era pura imaginação. Eu tinha um revista "Skatin'" e ele uma revista de surf ("Fluir"!). Ficávamos conversando sobre manobras, vendo aquelas imagens de grandes skatistas como Lincoln Ueda, Sérgio Negão e Rui Moleque, colávamos adesivos nas janelas e guarda-roupas, gravávamos fitas K7 de rock e enquanto jogávamos bola ouvíamos o Ricardão curtindo altos sons que iam do heavy metal, passando pelo trash até o death metal!
Não demorou muito e ganhamos nossos skates tubarão. O do Ramon era um verde. Eu ganhei um cinza que minha comprou na antiga Loja do Romeu. Naquela época, os skates eram pesadões, tinham biqueiras, alguns tinham protetores de truck, e também uma espécie de freio na parte traseira , etc.
A partir daí o rolê começou. Nossos treinos aconteciam na descida da Alves de Lima. Descíamos rasgando o passeio do Colégio Santa Angela. Até hoje escuto o som das rodinhas e suas bilhas (rolamento era mais caro) descendo a ladeira. Também construímos algumas rampas com tapumes, placas de compensado, madeira e pregos.
O passeio da Irmã Maria era também um ponto de encontro. Tinha um clima street e aquela antiga pichação "a geração que nos educa é a mesma que nos critica" dava um tom para nossa rebeldia pré-adolescente.
Outro point da turma era a Pracinha da Consolação. Como não havia pista na cidade nos víamos como skatistas de "street". As referências eram escassas. Ninguém tinha videocassete para acessar vídeos. Internet então só nos Jetsons. Mas ali na Consolação descíamos escadas, aventurávamos nas curvas sinuosas de suas dobras.
No começo dos anos 1990 também montamos uma oficina de skate que funcionava no porão da minha casa. Neste momento, o Marcos Silva, cuja família tinha mudado de Santo André para Paraisópolis, entrou para a turma. Como ele vinha de uma cidade grande contribuiu para ampliar nossas referências sobre o mundo do skate.
Depois a família de Ramon mudou-se da Rua Pouso Alegre e cada um daquela turma tomou um caminho que volta e meia, mesmo tanto tempo depois, se encontra ainda que para um simples "e aí", mas um "e aí" repleto de conteúdo e significado. As infinitas lembranças do período, claro, sempre emergem.
Este foi o primeiro capítulo do Skate em Paraisópolis. Estamos no início dos anos 1990. O próximo capítulo será escrito pelo encontro de figuras chave para o desenvolvimento do Skate na cidade: Ramon, Ariel, Tiago Ellis, Vinícius Pessoa, Glauber, Andre Chivas, Chicletão, Rafael Andrade, etc etc.
Segunda metade dos ano 90 a 2004 (Terceira Geração e a Era de Ouro do skate em Paraisópolis)
O ano era 1996 ou 1997. Ariel Salobreña estava com seu segundo skate comprado na DB brinquedos em uma viagem com a família para Santos (SP).
Assim como Ramon no começo, Ariel se sentia ligado ao surfe, mas como ganhara outro skate andava às voltas com as quatro rodinhas. Seu skate não possuía lixa e tinha dentro das rodas as famigeradas bilhas.
Na época, com 11 anos, Ariel foi repreendido por um guarda da Praça Coronel José Vieira "por estar com um brinquedo de criança". O skate ainda estava muito longe de começar a ser aceito pela sociedade brasileira. Ariel perguntou-lhe se ele já tinha ouvido falar do Bob e explicou-lhe que Bob Burnquist já era adulto e com aquele "brinquedo de criança" ganhava um bom dinheiro, mostrando que poderia ser um brinquedo, mas também uma ferramenta de trabalho, de uso profissional.
Pouco tempo depois, já com o terceiro equipamento, um "Traxart", daqueles skates de nível iniciante, mas já com lixa, rolamento (uma grande evolução!), foi abordado novamente na Praça por um pessoal, agora já perguntando há quanto tempo ele andava e querendo saber do skate e, claro, o clássico "deixa eu dar uma volta". Ali estavam o Ramon Mendes e Tiago Ellis. Neste momento, começou uma amizade entre eles que dura até hoje, mas também um movimento de subcultura e, claro, de inclusão social.
Na época, eles praticavam no asfalto do Goiabal, recém-assentado e, como já era tradição, nas calçadas, lembrando o termo inglês sidewalk surfer ("surfista de calçada"). Quando velozes passavam, em razão do barulho das rodas de poliuretano sobre os irregulares pisos, estes surfistas dos passeios (como são conhecidas nossas calçadas) despertavam a atenção dos moradores da pacata cidadezinha sul mineira. Zapt!
Os picos "da antiga", como a Praça da Consolação (popularmente conhecida como pracinha do prédio Beer) e a a Praça da Igreja, não foram abandonados. Com um pouco mais de coragem e busca por aventura, rolezinhos na Praça Coronel José Vieira aconteciam até os gritos de repreensão de algum guardinha ecoarem no local.
Até que um dia, lembra Ariel, "o Ramon Mendes disse que tinha um pico novo".
Eles desceram até a velha "quadra do Pernilongão", que mais lembrava um cenário pós-apocalíptico estilo blade runner, dado o estado de abandono do local, com montes de ferragens retorcidas e enferrujadas, pedaços de alambrado pelo chão, uma trave da qual restava nada mais que uns 20 centímetros de pura ferrugem, entretanto este foi o local em que os skatistas puderam ocupar já que ninguém mais o frequentava.
Não demorou muito, lembra Ariel, e lá estavam limpando e construindo os primeiros obstáculos, até chegar ao ponto de terem uma pista com palcos, corrimões, spines e até mesmo um quarter pipe. Tudo ao melhor estilo "Do It Yourself" ("Faça você mesmo".) "Esta foi nossa nossa primeira pista, feita por nós mesmos", lembra Glauber.
Cada mergulho na memória é um mar de histórias, tão amplo e profundo que quando começamos a recuperar vem logo a pergunta: como tudo aquilo aconteceu? São inúmeras imagens, pessoas, acontecimentos que é simplesmente impossível fazer caber tudo no espaço de um texto ou de um comentário em rede social. Tiago Ellis também lembra em seu comentário da "construção da primeira pista na quadra do "Pernilongão", os primeiros obstáculos, os compensados navais que surgiram "misteriosamente", bem como os corrimãos que se assemelhavam muito com placas de trânsito". O asfalto em frente a Igreja, na sua visão também é digno de nota, bem como "o apoio dado pelo Vinícius Pessoa em forma de lanche a ser pago a prazo para a galera, a primeira OPIS de Paraisópolis com o "Show de skate", o início do sonho de ter uma pista, a miniramp em minha casa que durou um mês e por aí vai. Vida longa ao skate paraisopolense"!
Alguns anos depois, organizados de forma independente do poder institucional, os skatistas iniciaram um processo de mobilização para que a Pista Pública hoje existente se tornasse realidade. Foram anos de reuniões e protestos em frente à Prefeitura para o município executar o projeto da pista idealizado pelos próprios skatistas.
2005 a 2020 (Quarta geração: consolidação, articulações com a cultura Hip-Hop, evolução)
Em dezembro de 2009, o coletivo Wind BMX foi criado na cidade. Em abril de 2010, a Pista Pública sediou o evento "Wind BMX Jam #1".
No dia 12 dezembro de 2010, mais um elemento se incorporou ao Skate e à BMX. Era o RAP de Daniel Chimp que se apresentou ao lado do Síntese (SJC) e do DJ ParanaX na Pista Municipal no evento "Nóiz por Nóiz" em parceria com o Clube do Trem. Com o tempo, além do RAP, os demais elementos da cultura Hip-Hop (Break e Graffiti) se uniram à família.
Alguns nomes que ampliaram a cena do skate em "Paradise City" neste período, para os quais peço para contarem como começaram a andar, os primeiros contatos com a "velha guarda", estão: Bremer Rosa, Fernando Nogueira, Iago Dias, Jessé Barcelos, Gabriel Lima, Daniel Nogueira, Antônio Junior, Mateus Grilo etc, etc.